Dr. Ricardo Filippo explica como o princípio ativo do Ozempic pode levar paciente à cegueira e comenta dados da pesquisa realizada pela Universidade de Harvard sobre o mesmo assunto. Saiba mais sobre o tema abaixo!
O Ozempic foi desenvolvido para o tratamento do diabetes tipo 2 e rapidamente ganhou destaque no mundo farmacêutico. Lançado pela Novo Nordisk em 2017, o medicamento inicialmente chamou a atenção por sua capacidade de ajudar os pacientes a controlar os níveis de glicose no sangue.
Porém, o que realmente impulsionou sua popularidade foi a descoberta que o remédio também é eficaz na perda de peso, aumentando a procura por ele.
Com o passar dos anos e o aumento do uso do medicamento, surgiram relatos de efeitos colaterais que não estavam claramente documentados nos estudos iniciais. Entre esses efeitos, um chamou muito a atenção dos oftalmologistas e toda a comunidade científica: possíveis problemas do uso de Ozempic relacionados à saúde ocular.
O Dr. Ricardo Filippo, oftalmologista e sócio da Clínica Oftalmológica de Campo Grande, Rio de Janeiro, viu esse cenário como um ponto de atenção. “É uma alerta não só para os oftalmologistas, mas para a medicina em geral. Precisamos estar atentos aos efeitos colaterais de todos os medicamentos.
“É uma alerta não só para os oftalmologistas, mas para a medicina em geral. Precisamos estar atentos aos efeitos colaterais de todos os medicamentos.
Relatos de pacientes que faziam uso do Ozempic sobre problemas de visão despertaram o interesse de pesquisadores de Harvard em descobrir uma possível ligação entre o fármaco e a saúde dos olhos. O resultado foi um grande estudo, conduzido por especialistas em oftalmologia, que revelou indícios sobre o impacto da semaglutida, o princípio ativo do Ozempic, na saúde dos olhos.
A pesquisa foi publicada na revista JAMA Ophthalmology e trouxe à tona a necessidade de uma compreensão mais profunda dos riscos oculares associados ao uso do medicamento
“Avaliar as causas é muito importante. Estamos ainda no início de uma grande pesquisa, mas o estudo já serve para nos deixar atentos. Qualquer medicamento vira um alerta quando há uma incidência de relatos não previstos em sua composição”, afirma o Dr. Ricardo.
O que é o Ozempic?
O Ozempic, desenvolvido pela empresa farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, é um medicamento cujo princípio ativo é a semaglutida. Este composto pertence à classe dos agonistas do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1), que imita a ação de um hormônio natural do corpo humano. O GLP-1 é conhecido por sua capacidade de aumentar a secreção de insulina em resposta à ingestão de alimentos, ajudando a regular os níveis de glicose no sangue.
Originalmente, a semaglutida foi desenvolvida como uma solução para pacientes com diabetes tipo 2 que não conseguiam controlar seus níveis de glicose apenas com dieta e exercício.
A eficácia do Ozempic no controle da doença foi rapidamente comprovada, com estudos demonstrando que o medicamento não apenas melhorava o controle glicêmico, mas também reduzia o risco de eventos cardiovasculares em pacientes diabéticos.
O medicamento é aplicado por injeção subcutânea, geralmente uma vez por semana, o que facilita a adesão ao tratamento por parte dos pacientes.
Uma vez no corpo, a semaglutida atua retardando o esvaziamento gástrico, aumentando a secreção de insulina e diminuindo a secreção de glucagon. Esses efeitos combinados resultam em uma redução dos níveis de glicose no sangue.
Popularidade do Ozempic no Mundo
Embora o Ozempic tenha sido desenvolvido especificamente para o tratamento do diabetes tipo 2, seu impacto na perda de peso não demorou a ser notado, tanto pela comunidade médica quanto pelo público em geral.
A semaglutida age no corpo humano promovendo uma sensação de saciedade prolongada e reduzindo o apetite, isso porque o GLP-1, hormônio mimetizado pelo princípio ativo, atua diretamente no cérebro, onde regula a fome e a ingestão de alimentos.
O Ozempic é atualmente um dos medicamentos mais procurados no mundo, tanto para o tratamento do diabetes tipo 2 quanto para a perda de peso. Segundo a IQVIA, só no Brasil, em 2023, as vendas do medicamento somaram R$ 3,1 bilhões, com um crescimento médio de 39% entre 2021 e 2023. Durante esse mesmo período, as prescrições do medicamento aumentaram mais de 300% nos Estados Unidos.
Relação do Ozempic com a Saúde Ocular
Os primeiros indícios de que o Ozempic poderia estar associado a problemas de saúde ocular surgiram a partir de relatos de pacientes que, após iniciar o uso do medicamento, começaram a apresentar sintomas como visão turva e, em alguns casos, perda parcial da visão. A situação preocupou os médicos, especialmente porque a saúde ocular não havia sido uma área de foco nos estudos clínicos iniciais da semaglutida.
“A medicina vai além do conhecimento científico. O médico precisa ter a sensibilidade de ouvir os pacientes para detectar problemas que não são previstos em estudos, mas se aplicam na prática”,
completou o Dr. Ricardo em relação aos relatos da ação da semaglutida no corpo humano.
Intrigados pelos relatos, pesquisadores da Universidade de Harvard decidiram conduzir um estudo para investigar a possível ligação entre o Ozempic e problemas oculares. Uma das descobertas mais preocupantes foi o desenvolvimento da neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (NAION), uma condição rara que pode levar à perda permanente da visão.
A NAION é uma doença causada pela redução do fluxo sanguíneo para o nervo óptico. A condição é mais comum em pessoas com fatores de risco como hipertensão, diabetes e apneia do sono.
O Dr. Ricardo explicou com exatamente o Ozempic poderia causar essa condição.
“A resposta está na forma como a semaglutida age no corpo humano. Além de seus efeitos sobre o controle da glicose e o apetite, há indícios de que ela pode influenciar a perfusão da cabeça do nervo óptico, o que, por sua vez, poderia contribuir para o desenvolvimento de NAION. Ou seja, quando o fluxo de sangue para o nervo óptico é reduzido, ocorre um déficit de oxigenação na região, o que pode levar à perda permanente da visão. Embora essa hipótese ainda precise de mais estudos para ser confirmada, as evidências iniciais são suficientes para justificar a investigação”.
O Estudo sobre Ozempic e saúde ocular
O estudo conduzido por pesquisadores da Mass Eye and Ear, em Harvard, e publicado na JAMA Ophthalmology, representa um dos esforços mais significativos para entender a relação entre o uso de Ozempic e a saúde ocular. Este estudo contou com a participação de 16.827 pacientes, dos quais 710 tinham diabetes tipo 2 e 979 estavam com sobrepeso ou obesidade.
Os pacientes foram acompanhados ao longo de seis anos, em que os pesquisadores monitoraram a incidência de NAION entre os usuários de semaglutida e aqueles que utilizavam outros medicamentos para diabetes e perda de peso.
A escolha desses grupos permitiu uma análise mais precisa da incidência de problemas oculares, considerando as comorbidades dos pacientes, que já são fatores de risco conhecidos para a NAION.
Os pesquisadores utilizaram o modelo de regressão de Cox para ajustar os resultados para possíveis comorbidades e outros fatores de confusão. Esse modelo permitiu a identificação de uma associação entre o uso de semaglutida e um risco aumentado de NAION, ajustado para fatores como idade, histórico de hipertensão, e presença de apneia do sono.
Os resultados do estudo foram alarmantes. Entre os pacientes com diabetes tipo 2, 8,9% daqueles que usavam Ozempic desenvolveram NAION, em comparação com 1,8% daqueles que usavam outros medicamentos. Isso representa um risco 4,28 vezes maior para os usuários de Ozempic.
Já entre os pacientes com sobrepeso ou obesidade, 6,7% daqueles que usavam Ozempic desenvolveram NAION, em comparação com 0,8% dos que utilizavam outros medicamentos, resultando em um risco 7,64 vezes maior.
Esses números, embora expressivos, devem ser interpretados com cautela. O estudo foi observacional e, portanto, não pode estabelecer uma relação de causalidade direta entre o uso de Ozempic e a NAION.
Além disso, a pesquisa foi conduzida em um hospital-escola especializado em oftalmologia, o que pode limitar a generalização dos resultados para a população em geral.
Se você faz uso do Ozempic e está sentindo algum dos sintomas relatados no estudo, não deixe de marcar uma consulta com COI (Clínica Oftalmológica Integrada).